O amigo radialista e poeta Júlio Lucas e Shau
Paponline do Miscelânea por Júlio Lucas, entrevista o cantor e compositor Shau da banda Shau & Os Anéis de Saturno.
JÚLIO LUCAS - Como e quando você começou a cantar e escrever? Conta um pouco do início da sua trajetória musical.
SHAU - Gosto de música desde criança, lembro que ficava ouvindo as rádios locais, e toda vez que eu ouvia uma canção que me chamasse a atenção eu parava tudo que estivesse fazendo pra ouvir atentamente, de certa forma aquilo me prendia. Comecei a escrever canções em 1996, mas nessa época eu mal sabia pegar no violão, então cantarolava as melodias que criava e escrevia as letras num caderno. Quando montei minha primeira banda, (No Fate) no final de 1996 foi que comecei a arriscar uns acordes, e em 1998 com a banda (Estado Civil), segunda banda na qual fiz parte. Houve ainda uma terceira banda chamada (Estigma), mas o projeto não durou nem um ano, e em 2002 a banda Shau & Os Anéis de Saturno foi montada.
JÚLIO LUCAS - Fale do seu primeiro disco e do hiato de uma década para o 2º registro.
SHAU - Sempre rola um certo medo quando um artista lança seu primeiro trabalho. Tem o fato de você não saber como as pessoas vão receber aquilo, se vão compreender sua arte, rola o fato da inexperiência em estúdio, de entrar num universo novo que é totalmente diferente do show ao vivo. Mas com tudo isso conseguimos bons resultados, pois o disco têve uma canção premiada no segundo festival de música da Educadora FM em Salvador em 2004, e no mesmo ano recebeu quatro estrelas na crítica de música feita pelo jornal “O Globo”.
No segundo disco houve umas dificuldades que acabaram atrasando o lançamento. Fui morar em outra cidade, houve a saída de uns integrantes e a entrada de novos músicos na banda, também tive um problema de saúde que me impossibilitou de continuar as gravações. Foram muitos fatores que acabaram adiando o lançamento do Caixa de Ilusões. Foram quase dez anos, mas finalmente conseguimos.
JÚLIO LUCAS - Como você vê a cena da música pop e dos artistas independentes atualmente no mundo e no Brasil?
SHAU - Tem rolado uns trabalhos bem legais, tem uma turma nova que tá vindo com tudo, com uma atitude legal, fazem um trabalho independente e autoral, divulgam na internet através de blogs, youtube e redes sociais.
JÚLIO LUCAS - Focando mais especificamente a Bahia e Jequié; qual sua opinião sobre o contexto musical local?
SHAU - Na Bahia a gente sempre encontra dificuldades pra divulgar um trabalho dessa natureza, e Jequié tem muita influência de Salvador, as pessoas daqui e de outras cidades interioranas acabam consumindo o que as rádios da capital aclamam, então as portas acabam se fechando pra aqueles que não nadam a favor da maré. Poucos são os que sobrevivem a esse monopólio todo, então acabamos ficando com um número bem resumido de bandas de rock, de pop, reggae, MPB, chorinho e outros estilos que não são de apelo popular.
JÚLIO LUCAS - Sabemos que você é fã confesso do pop rock nacional dos anos 80. O que você vê de diferenças e semelhanças entre a cena daqueles tempos e a atual?
SHAU - Naquele tempo havia um ideal, os artistas gravavam suas canções sem se preocupar com fama ou dinheiro. Queriam se expressar como artistas, tentavam mudar o mundo através da música, seja falando de amor, ou fazendo denúncias a um sistema corrupto. Nos tempos de hoje a imagem parece importar mais do que a mensagem, muitos filhos de artistas já consagrados entram na mídia pela facilidade de assinar contratos com gravadoras e acabam oferecendo ao público um trabalho plastificado e sem conteúdo, que nada vem a acrescentar. A semelhança é o fato da dificuldade encontrada pra veicular um trabalho dessa natureza, na linha rock ou pop. Na época era difícil a divulgação independente, pois não existia a internet e o contato tinha que ser direto com as gravadoras. As bandas tinham que se deslocar pra os grandes centros. Hoje a internet facilita a divulgação, mas por outro lado tira a visibilidade de alguns trabalhos, pois a maioria dos produtores recebe diariamente milhares de mp3 de bandas e artistas solo, e na maioria das vezes são trabalhos de péssima qualidade, isso acaba gerando uma certa perda de credibilidade por parte dos produtores e gravadoras nos trabalhos divulgados pela internet.
JÚLIO LUCAS - Fale um pouco sobre seu encontro com o Capital Inicial. A descontração foi tanta que além do papo rolou até som de voz e violão com os caras, como foi isso?
SHAU - Estive duas vezes com os caras do Capital Inicial, a primeira foi em Vitória da Conquista, onde batemos um papo e fiquei de entregar umas canções a eles. Mas o encontro mais duradouro foi aqui em Jequié quando vieram tocar no Forró do Namoral. Estive com os caras na praça Luiz Viana, fui entregar minhas canções e chegando lá os caras estavam tomando umas cervejas, então me convidaram pra tomar umas, como eu tinha levado meu violão, os caras decidiram fazer um som. O guitarrista Yves Passarell tocou umas canções do capital e eu fiquei no vocal, depois toquei umas canções de minha autoria pra apresentar meu trabalho a eles. O papo foi se estendendo e passamos a tarde inteira fazendo um som e aproveitando pra destrinchar o rock dos anos oitenta com Fê Lemos (baterista do capital), o cara fundou o aborto elétrico, primeira banda punk de Brasília, ao lado de Renato Russo e Flávio Lemos. Então eu não podia perder essa oportunidade. Foi realmente hiper produtivo, não é todo dia que você passa a tarde numa mesa de bar tocando violão e trocando informações com um dinossauro do rock brasileiro.
JÚLIO LUCAS - Como você define seu trabalho?
SHAU - Defino meu trabalho como uma banda que tem os pés no chão, que conhece todas as dificuldades que uma banda independente passa, mas que à cima de tudo mantém a integridade, que não se deixa levar pelos modismos nem pela politicagem. Nosso compromisso é com a arte.
JÚLIO LUCAS - Quem acompanha seu trabalho sabe que você prima muito pela qualidade e percebe a evolução nas suas composições (tanto nas letras como nas músicas). Soube que você tem estudado canto. Também tem pesquisado outros artistas? Quais fontes inspiradoras você tem garimpado?
SHAU - Eu estudei canto durante três anos com a professora de canto e pianista Tânia Araújo. Sempre quis cantar direito, poder ouvir minha voz no disco e não me sentir mal. Além do estudo do canto, eu busco ouvir artistas que têm uma boa linha vocal, como Morten Harket do (A- ha), Bono Vox (U2), Morrissey (The Smiths), gosto do som do Coldplay, Snow Patrol, Travis. No geral, gosto de vocalistas que cantam com emoção.
JÚLIO LUCAS - Fale um pouco das dificuldades encontradas para gravar um CD e das diferenças do seu primeiro registro para o Caixa de Ilusões, lançado no último sábado (19). Percebo uma pegada mais rock´n´roll e letras mais contundentes com críticas sociais mais diretas enquanto o anterior foi mais tomado por canções existenciais, é isso mesmo?
SHAU - As dificuldades são inúmeras, pois o custo da produção de um cd ainda é muito alto e encontramos muitas dificuldades em conseguir patrocínios pra esse tipo de trabalho.
Realmente, o primeiro Cd tem um lado mais existencial. A maioria das canções é cantada na primeira pessoa. Têm umas canções românticas e de cunho espiritual. Neste segundo disco eu tava vivendo outro momento, e tinha muita coisa que e eu tava a fim de dizer. Coisas que não pude abordar no primeiro cd, até mesmo pela atmosfera do disco. O Caixa de Ilusões é um disco com uma sonoridade mais rock in roll e canções diretas.
JÚLIO LUCAS - Os produtores da mídia de massa forjam (ou se apropriam) nomenclaturas como “axé music”, “música sertaneja”, “funk carioca”, “pagode” e muitas outras, quase sempre limitando a abrangência e diversidade e distorcendo a criatividade da verdadeira música popular. No Caixa de Ilusões você faz crítica direta a TV e ao Carnaval. O que você acha da massificação desses “estilos” musicais pelos veículos de comunicação e da receptividade do público a isso tudo?
SHAU - Acredito que a educação não está restrita apenas às salas de aula e às universidades. A música é fundamental na formação intelectual e na educação do ser humano. Toda mensagem trazida pela música afeta diretamente na maneira de pensar e de agir das pessoas. Se a mensagem for positiva, todo mundo só tem a ganhar, mas, se ela for negativa todo mundo perde com isso. Pois a música de má qualidade não tem compromisso algum com a arte ou com o senso crítico, seja qual for o estilo. Continuo acreditando que podemos fazer um mundo melhor através da música.
JÚLIO LUCAS - O que falta para o artista independente consolidar seu trabalho e viver do seu talento sem a necessidade da superexposição na mídia?
SHAU - Acho que o que falta é um pouco de apoio dos meios de comunicação, rádio, jornal, revista. É fazer com que as pessoas conheçam os trabalhos independentes. Que elas tenham outras possibilidades de música e façam suas escolhas e que não fiquem presas ao que os grandes meios de comunicação em massa divulgam, ou melhor, impõem.
JÚLIO LUCAS - “O mundo anda tão complicado” como na canção do Legião Urbana e em As aventuras de Raul Seixas no país de Thor ele já previa: “A civilização se tornou complicada/ Que ficou tão frágil como um computador/ Que se uma criança descobrir/ O calcanhar de Aquiles/ Com um só palito pára o motor”. Você tem otimismo quanto ao futuro da humanidade? Acredita que as novas gerações, por terem maior acesso às informações, podem melhorar o mundo, ou do jeito que as coisas estão só tendem a piorar?
SHAU - Acho que temos que ser otimistas apesar de vermos o mundo doente do jeito que está. As gerações futuras têm bastante acesso a informação, e acho que se essa informação toda for utilizada para o bem, se eles souberem mastigar essas informações antes de engolir, se tiverem senso crítico e poder de questionamento tudo dará certo.
JÚLIO LUCAS - Quais seus planos para o futuro próximo, de posse desse novo trabalho? Pretende percorrer outras áreas?
SHAU - Agora que o Caixa de Ilusões foi lançado, pretendo levar ele ao maior número de pessoas possível. Fazer com que elas possam conhecer e tirar suas conclusões desse trabalho, levar esse novo show a áreas ainda não percorridas. Afinal, é uma nova fase onde priorizamos o trabalho autoral. No momento estamos trabalhando num novo álbum, e paralelamente a isso continuaremos com o show “Caixa de Ilusões”.
Por: Júlio Lucas
Fonte: Miscelânea Por Júlio Lucas